Processo envolvendo ex-presidentes da Petrobras apurava supostas
irregularidades na megacapitalização da estatal
O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) absolveu ontem, por
unanimidade, a Petrobras e seus ex-presidentes Maria das Graças Foster e
José Sergio Gabrielli em processo que apurava supostas irregularidades na
megacapitalização da Petrobras, em 2010, maior operação do tipo já realizada
no mundo e que captou R$ 120 bilhões junto a investidores. Também foram
absolvidos o ex-diretor de relações com investidores da petrolífera, Almir
Barbassa, o banco Bradesco BBI (responsável por formatar a oferta de papéis)
e seu executivo Bruno Boetger.
O processo analisava a prestação de informações pela Petrobras sobre a possibilidade
de obter direito de voto com ações preferenciais, as PN. Preferida pelos
investidores pessoas físicas, esse papel não tem poder de voto, mas tem
preferência no recebimento de dividendos. No prospecto da megacapitalização,
porém, a Petrobras observou que os acionistas preferenciais "não têm direito
de voto nas deliberações das nossas assembleias gerais de acionistas, exceto
em circunstâncias especiais, incluindo na eventualidade de deixarmos de
pagar a esses acionistas o dividendo mínimo prioritário a que fazem jus,
de acordo com o nosso estatuto social, por três exercícios consecutivos."
Divergência de informações
Mas quando a companhia registrou prejuízo de R$ 21,7 bilhões em 2014 e propôs
que não fossem pagos dividendos, alguns investidores pleitearam o direito
de voto com a alegação de que o não pagamento dos dividendos mínimos conferiria
a eles esse direito de forma imediata.
Questionada pela CVM naquela ocasião, a Petrobras sustentou um entendimento
diferente daquilo que estava no prospecto da megacapitalização, quase cinco
anos antes. Segundo a nova gestão da companhia, as ações preferenciais nunca
poderiam ter direito a voto porque a Lei do Petróleo dizia isso expressamente.
Mas a área técnica da CVM observou à época que, nos Formulários de Referência
divulgados entre 2010 e 2015, "não foi veiculada a informação de que as
ações preferenciais emitidas pela Petrobras jamais viriam a adquirir direito
de voto".
De acordo com a acusação, "haveria duas graves falhas nas informações veiculadas
pelo prospecto e parcialmente reproduzidas em versões anteriores do Formulário
de Referência divulgadas pela Companhia". Elas seriam "a menção à aquisição
a direito de voto pelas ações preferenciais depois de três exercícios consecutivos
quando, na verdade, o estatuto é silente a esse respeito" e "a omissão quanto
aos potenciais efeitos da Lei do Petróleo em relação ao direito de voto
das ações preferenciais de emissão da Petrobras."
Logo, sustentou a acusação, a informação diferente no prospecto "é evidência
da negligência na sua elaboração, sendo essa regra aplicável a muitas sociedades
anônimas, que preveem tal prazo (de três anos) em seus estatutos, mas não
à companhia". Os acusados chegaram a propor um termo de compromisso para
extinguir o caso, mas ele foi negado pela CVM. Caso tivessem sido condenados,
seriam considerados responsáveis por publicar informação incorreta e induzir
investidores a erro.
Defesa: caso devia prescrever
Ontem, a defesa da Petrobras argumentou que o caso deveria estar prescrito,
uma vez que a estatal só foi intimada para oferecer sua defesa em janeiro
de 2016, enquanto o prospecto é de 2010 - mais que os cinco anos previstos
pela lei para que a irregularidade não prescreva.
Segundo a advogada da companhia, Maria Isabel do Prado Bocater, o entendimento
consolidado da CVM era de não responsabilizar pessoas jurídicas, sobretudo
em casos de informação, porque isso prejudica os acionistas. A defesa da
estatal e dos seus ex-administradores argumentou também que a questão do
poder de voto não era relevante, uma vez que a Petrobras sempre obteve lucro
até a megacapitalização e, portanto, distribuiu dividendos até aquela data.
Além disso, ponderaram que os investidores que adquiriam os papéis preferenciais
não tinham a expectativa de obter poder de voto.
Jamais os acionistas preferenciais compraram ações da Petrobras se interessando
por eventual poder de voto. O que a eles interessava era o que vinha acontecendo,
que era o recebimento regular de dividendos - disse a advogada da Petrobras.
Embora tenha discordado do argumento de que as acusações deveriam estar
prescritas, o relator do processo, diretor Pablo Renteria, entendeu que
o posicionamento da companhia e a prestação de informação na megacapitalização
foram razoáveis e respeitaram as práticas de mercado.
Não me parece possível afirmar que a informação contida no prospecto era
inverídica ou falsa. Era, no mínimo, razoável. A companhia seguiu a prática
de mercado, contratou escritórios para obter legal opinion. Tal providência
reforça a diligência da companhia e do seu então diretor de Relações com
Investidores - observou Renteria. Não é possível afirmar que o formulário
de referência tivesse informação falsa, inexata ou incompleta. Não me parece
correto nem justo considerar que os diretores tenham faltado com a devida
diligência na elaboração dessa informação, apenas porque a administração,
em momento posterior, quando já tinham se desligado dela, decidiu adotar
entendimento diverso.
No caso do Bradesco BBI, Renteria destacou que o banco contratou escritórios
especializados para avaliar a operação de 2010, o que configuraria uma boa
prática. Os outros dois membros do colegiado nesta sessão, o presidente
da CVM, Leonardo Pereira, e o diretor Henrique Machado, acompanharam o voto
do relator pela absolvição dos acusados.
Único acusado presente ao julgamento, Almir Barbassa, ex-diretor de Relações
com Investidores e da área financeira da estatal, defendeu sua gestão:
O que a área financeira da Petrobras fez, na minha gestão, foi um bom trabalho.
Não temos nada de errado, apesar de tudo o que aconteceu na Petrobras. Esperava
(a absolvição) porque tínhamos bons fundamentos, como foi ressaltado aqui.
Foi um trabalho consistente com o que se fazia na Petrobras.
Em nota, a estatal diz que a decisão da CVM reitera que a empresa agiu corretamente.
Fonte: O Globo
Rennan Setti
12/07/2017