Preso mantido em regime fechado depois da progressão tem seus direitos
de personalidade violados pelo estado e deve ser indenizado. Assim entendeu
a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao determinar
o pagamento de R$ 3,4 mil a um detento que teve de esperar 74 dias para
ser transferido ao semiaberto. Ele se encontrava preso no regime fechado
desde julho de 1999, quando foi sentenciado a 69 anos de prisão.
Na inicial, o autor informa que a Superintendência dos Serviços Penitenciários
do Rio Grande do Sul (Susepe), órgão da segurança pública estadual, foi
oficiada sobre a mudança de cumprimento de pena em 13 de fevereiro de 2015.
No entanto, o Estado não tomou nenhuma providência para cumprir a ordem
do juízo de execução penal, vindo a migrar para o atual regime somente em
27 de abril de 2015. Diz que a retenção indevida em regime fechado, quando
isso não era mais necessário, lhe trouxe dor psíquica, tristeza, aflição,
vergonha, raiva e sentimento de impotência.
O Estado contestou. Alegou que eventual demora na efetivação da transferência
não significa "sofrimento substancial e anormal", pois o autor entra e sai
do sistema prisional desde 1983, tendo cumprido mais de 30 anos de pena
praticamente no regime fechado. Em síntese, trata-se de criminoso habitual,
acostumado com o regime mais gravoso, disse a Procuradoria do Rio Grande
do Sul.
Mero dissabor
Em primeira instância, o pedido de indenização foi indeferido. Para a juíza
Marilei Lacerda Menna, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, é
"difícil acreditar" em abalo moral, tendo em conta a ficha criminal do autor.
"É claro que permanecer além do tempo sem a observância da progressão do
regime causa dissabor, mas não ao ponto de ser indenizado. É sabido da crise
do sistema penitenciário estadual, em especial da falta de vagas no regime
semiaberto", escreveu.
Segundo a julgadora, a jurisprudência sinaliza que a demora razoável na
transferência de regime prisional não significa, necessariamente, violação
da honra do detento. Devem ser considerados os princípios da razoabilidade
e da proporcionalidade, ponderou a juíza. "Não se vislumbra omissão estatal
ao não transferir de forma imediata o autor para um estabelecimento do regime
semiaberto. Logo, inexiste dever de indenizar no presente caso", concluiu.
Apelação acolhida
O relator do recurso de Apelação no TJ-RS, desembargador Tasso Soares Delabary,
reformou a sentença, por entender que a demora superior a 60 dias na progressão
de regime viola, sim, os direitos de personalidade assegurados no artigo
5º da Constituição. E, neste caso, o Estado tem de ser responsabilizado
pela conduta danosa de seus agentes, como autoriza o artigo 37, parágrafo
6º, da Carta.
De acordo com o relator, a explicação de que a causa da demora foi a falta
de vagas no sistema penitenciário não se sustenta. O fato não exime a administração
pública de responsabilidade, escreveu o desembargador. A falta de vagas
em casa prisional não autoriza a manutenção de apenado em regime mais gravoso,
segundo a Súmula Vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal.
"Os danos morais decorrem do próprio fato da privação indevida da liberdade
e do cerceamento ao exercício de direito determinado por decisão judicial;
ou seja, são in re ipsa, satisfazendo a sua demonstração a simples ocorrência
do ato ilícito, cujo prejuízo impingido à vítima se presume", encerra. O
acórdão é do dia 24 de maio.