A 7ª Vara Federal de Porto Alegre condenou, em 11/9, dois sócios
da empresa Diferencial Corretora de Títulos e Valores Mobiliários S/A (Diferencial
CTVM) por crimes contra o sistema financeiro nacional. Eles foram acusados
de gestão fraudulenta e temerária, indução e manutenção de investidores
em erro, empréstimos ilegais e apropriação de valores. A sentença fixou,
para um deles, o valor de quase R$ 27 milhões para reparação de danos.
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou três sócios em julho de 2016
alegando que eles teriam praticado diversos crimes contra o sistema financeiro
nacional, somando 22 fatos criminosos, divididos em cinco tipos penais.
Eles detinham, alternadamente, os cargos de Controlador, Diretor-Presidente
e Diretor da empresa, no intervalo entre 2004 e 2012 (data da liquidação
extrajudicial da Diferencial CTVM pelo Banco Central do Brasil - Bacen).
Entre os fatos imputados, estão supostos empréstimos tomados pelo administrador
e/ou deferidos ao controlador, o que é proibido por lei; e a apropriação
e desvio de valores em proveito próprio e/ou alheio. Estas supostas operações
ilegais somariam R$ 12,2 milhões, oriundos de diversos investidores, desviados
da corretora.
Os réus também foram acusados de "Indução e manutenção de investidores em
erro sobre situação financeira mediante a prestação de informação falsa".
Eles criaram um fundo de investimento com perfil voltado exclusivamente
a Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), mas teriam investido em
títulos com grau de risco superior ao permitido pelo Conselho Monetário
Nacional para cotas advindas de RPPS. Conforme tabela constante da denúncia
e do Relatório Final da Comissão de Inquérito do Bacen, na data da liquidação
da Diferencial (09/08/2012), este fundo possuía 42 cotistas, todos RPPS.
O MPF também denunciou os homens por gestão fraudulenta da Diferencial CTVM
e do fundo voltado aos RPPS. Eles teriam comprado títulos em nome da corretora
e revendido, com ágio, para o fundo de investimento, auferindo lucros ilegais
em detrimento do próprio fundo. Além disso, eles não teriam registrado,
na contabilidade da instituição financeira, os lucros oriundos de diversas
operações. Por fim, eles foram acusados de realizar contratações de empresas
terceirizadas de assessoria, com valores vultosos incompatíveis com a realidade
da Diferencial, com o objetivo de "retirar" os recursos da corretora de
valores.
O autor acusou ainda os réus de gestão temerária ao promoverem a transferência
de recursos para as contas bancárias de particulares que não dispunham de
saldo disponível na Diferencial CTVM. Estas operações, em conjunto, totalizariam
mais de R$ 3 milhões.
Julgamento
Durante a tramitação processual, houve cisão do processo, e o terceiro sócio
passou a responder pelos fatos em ação penal separada para evitar a prescrição,
uma vez que não foi encontrado. Vale destacar que ele e um dos outros já
haviam sido condenados em 2015 por operações fraudulentas.
Para o juízo da 7ª Vara Federal da capital, ficaram devidamente provadas
a materialidade e a autoria delitivas. Foram analisadas separadamente cada
uma das práticas imputadas aos réus como caracterizadoras do crime.
Sobre os supostos empréstimos tomados pelo administrador e/ou deferidos
ao controlador; e as apropriações e desvio de valores, o juízo reconheceu
19 crimes, um para cada transferência de valores realizada. Foi destacado
que estas práticas são delitos de mera conduta, ou seja, não é necessário
comprovar prejuízo; isto porque a norma visa a tutelar, primordialmente,
a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional e a confiança dos investidores
e, secundariamente, o patrimônio do investidor contra potenciais prejuízos.
Com relação ao Fundo destinado aos RPPS, o juízo observou que tanto o regulamento
como a efetiva composição do fundo não guardavam conformidade com os preceitos
da Resolução do Bacen mas, mesmo assim, todo o material publicitário do
FI Diferencial RF LP era destinado a atrair investidores RPPS, afirmando
falsamente que o Fundo estava enquadrado. "Reputo demonstrado que os investidores
do FI Diferencial RF LP foram induzidos e mantidos em erro em relação à
situação financeira e às operações realizadas pelo referido fundo de investimentos,
uma vez que foram levados a crer que o Fundo estava perfeitamente enquadrado
às disposições da Resolução CMN 3922, de observância obrigatória por parte
dos investidores, quando, na realidade, não estava", afirmou.
Quanto à gestão fraudulenta e temerária da Diferencial CTVM, a sentença
pontuou que "há uma linha tênue a separar a gestão própria das instituições
financeiras, onde um certo grau de risco é inerente à atividade, e a gestão
temerária. A distinção possível está na presença do risco excessivo". Também
sintetizou que a conduta fraudulenta consiste em ação ou omissão que leve
a enganar, ludibriar terceiros, no caso, os investidores
Embora a denúncia narrasse a prática de "atos fraudulentos e temerários
na gestão da Diferencial CTVM e na gestão dos fundos de investimentos",
o juízo considerou que todos os atos praticados na gestão dos fundos eram
atos da própria corretora, e que a fraude estaria, portanto, na gestão da
Diferencial CTVM, que era a gestora dos Fundos. Considerou, também, que
"a gestão fraudulenta dos fundos empreendida pela Diferencial CTVM teve
como desiderato e consequência a prática de atos fraudulentos na gestão
da própria Diferencial CTVM , todos estes atos sendo imputados aos mesmos
administradores". A decisão destacou que a denúncia e os documentos corroborariam
que a própria criação dos fundos de investimentos foi feita por iniciativa
da Diferencial CTVM. Sendo assim, "as práticas encontram-se inseridas em
um mesmo contexto fático, todas englobadas pela gestão empreendida na Diferencial",
explicou.
Em relação à gestão temerária, a sentença considerou comprovado "que a Diferencial
regularmente concedia crédito a clientes, em expressa violação às normas
do Conselho Monetário Nacional, prática excessivamente temerária à saúde
da instituição financeira, especialmente considerando que não era exigida
comprovação da capacidade de pagamento de tais clientes, que tampouco eram
cobrados pelos administradores da corretora, circunstâncias que contribuíram
para a crise de liquidez que motivou a liquidação extrajudicial da Diferencial."
O somatório das dívidas dos clientes com saldo devedor totalizava, na data
da liquidação da corretora, R$ 8,9 milhões a título de créditos de liquidação
duvidosa e, conforme justificado pelo Banco Central, uma das causas da decretação
da liquidação da corretora foi o comprometimento de sua situação patrimonial,
que registrava mais de R$ 62 milhões de patrimônio a descoberto.
No contexto delineado pela prova, o juízo considerou "comprovado que a Diferencial
regularmente concedia crédito a clientes, em expressa violação às normas
do Conselho Monetário Nacional". Ele ressaltou que as condutas temerárias
narradas restam absorvidas pelo delito de gestão fraudulenta, crime de maior
gravidade.
Com a cisão da ação penal, somente foram julgados os fatos imputados a dois
dos réus, enquanto o terceiro responde separadamente. O primeiro foi condenado
a 11 anos e dois meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, mais
multa. O segundo, condenado a dois anos de reclusão, terá sua pena substituída
por prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária.
Quanto à reparação dos danos, o primeiro réu deverá devolver quase R$ 27
milhões; e ambos responderão solidariamente por mais R$ 1 milhão. Os valores
deverão ser corrigidos monetariamente até o efetivo pagamento.