Um pequeno detalhe, geralmente não observado na elaboração da petição inicial,
poderá alterar o resultado de seu pedido de usucapião, envolvendo área da
marinha.
Caso não observado, certamente o seu processo terá resultado negativo, após
ter consumido anos de tramitação e de recursos financeiros.
Este artigo trata especificamente de áreas da marinha, que já foram alvo
de aforamento, também conhecido como imóvel foreiro.
Imóvel foreiro é aquele que foi objeto de celebração do contrato de aforamento,
instrumento pelo qual a União concede ao particular o direito de utilizar
determinada área de sua propriedade, que é o que ocorre geralmente com bens
imóveis localizados em área da marinha (até 33 metros contados do preamar
de 1.831), mediante a contraprestação pecuniária (foro).
Como de conhecimento geral, não há cabimento de usucapião de áreas públicas,
o que incluí as áreas da marinha, tal como previsto nos artigos 183, § 3º,
e 191, parágrafo único, da Constituição, bem como no disposto nas Súmula
340 do STF e 496 do STJ.
Logo, mesmo preenchido os outros requisitos legais, não há cabimento pedir
a usucapião da propriedade pública, que é o caso de bens imóveis localizados
em área da marinha, legalmente considerados bens públicos pertencentes à
União, conforme artigo 1º, alínea "a", do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de
setembro de 1946.
Ao que pese a previsão legal clara, muitas ações de usucapião trazem o pedido
de usucapião da propriedade pública, provocando prejuízos de tempo e de
recursos financeiros.
Mesmo que não pareça, existe grande diferença entre pedir a usucapião da
propriedade e pleitear a usucapião do direito de uso.
O grande detalhe a ser observado decorre da diferenciação acima, que deverá
ser observada no momento de ingresso da demanda. A petição inicial não poderá
tratar da usucapião da propriedade. Deverá especificar o pedido de usucapião
do domínio útil, ou seja, deverá tratar apenas do direito de uso da propriedade,
que foi concedido pela União ao particular.
Por fim, vale destacar que a União não será parte do processo, que deverá
ser proposto apenas por quem recebeu o direito de uso da área.
Autor: Dr. Héctor Luiz Borecki Carrillo, advogado, inscrito na OAB-SP sob
o nº250.028.
Leia decisões sobre o assunto:
Supremo Tribunal Federal
Enfiteuse. Bem dominical de Prefeitura Municipal. Usucapião de domínio útil.
- Em se tratando de bem público, o usucapião não é admissível para a constituição
de enfiteuse que vai transformar o imóvel em foreiro. O mesmo não sucede,
porém, quando - e este é o caso dos autos - o imóvel já era foreiro, e a
constituição da enfiteuse em favor do usucapiente se faz contra o particular
até então enfiteuta, e não contra a pessoa jurídica de direito público que
continua na mesma situação em que se achava, ou seja, na de nua-proprietária.
Recurso extraordinário não conhecido. (RE 82106, Relator(a): Min. THOMPSON
FLORES, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/1977, DJ 07-10-1977 PP-06916 EMENT
VOL-01073-02 PP-00768)
AGRAVO REGIMENTAL. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL DE BEM PÚBLICO (TERRENO DE
MARINHA). VIOLAÇÃO AO ART. 183, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. INOCORRÊNCIA. O ajuizamento
de ação contra o foreiro, na qual se pretende usucapião do domínio útil
do bem, não viola a regra de que os bens públicos não se adquirem por usucapião.
Precedente: RE 82.106, RTJ 87/505. Agravo a que se nega provimento. (RE
218324 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em
20/04/2010, DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-04
PP-01228 RT v. 99, n. 899, 2010, p. 103-105) USUCAPIAO DE TERRENOS DE MARINHA,
OU SEUS ACRESCIDOS. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE CONTINUIDADE DE TRANSMISSÕES.
DEMONSTRAÇÃO DE DISSIDIO JURISPRUDENCIAL, NO TOCANTE A POSSIBILIDADE DE
USUCAPIAO, ANTERIORMENTE AO CÓDIGO CIVIL. TRANSMISSÕES, APENAS, DO DOMÍNIO
UTIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. (RE 63870, Relator(a):
Min. ELOY DA ROCHA, Segunda Turma, julgado em 10/04/1972, DJ 31-08-1973
PP-06309 EMENT VOL-00919-01 PP-00089)
Superior Tribunal de Justiça
Informativo nº 0202
Período: 15 a 19 de março de 2004.
QUARTA TURMA
USUCAPIÃO. DOMÍNIO ÚTIL.
Não pode ser usucapido bem público, mas o imóvel era foreiro e o Tribunal
a quo concedeu o usucapião do domínio útil pertencente a particular, no
que a Turma confirmou. Entretanto, reconheceu que a ação não deve ser contra
a União, por ser esta parte ilegítima ad causam como ré. Logo não poderá
sofrer condenação pois o imóvel já era foreiro, sendo contra ela a ação
extinta. Ressaltou-se, ainda, que apesar do pedido exordial se referir a
titularidade do imóvel e não ao domínio útil, não houve julgamento extra
petita, pois o domínio útil sendo menos do que a propriedade plena está
contido no pedido. REsp 507.798-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado
em 16/3/2004
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. BEM PÚBLICO. TERRENO DE MARINHA.
USUCAPIÃO. IMPOSSIBILIDADE. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF.
1. Hipótese em que o Tribunal regional consignou (fls. 445-446, e-STJ):
"Inicialmente, cumpre destacar que o bem objeto da ação é, de fato, caracterizado
em sua totalidade como terreno de marinha"; "Os terrenos de marinha e seus
acrescidos são bens da União, nos termos do art. 20, VII, da Constituição
Federal em vigor. Em sendo assim, de acordo com os arts. 183, § 3º, e 191,
parágrafo único, ambos da Carta Magna, não podem ser usucapidos"; e "(...)
verifico que o terreno cujo domínio útil a apelante pretende usucapir não
possui aforamento, concluindo que a ocupação é irregular, não sendo possível
a aquisição da propriedade na forma ora requerida".
2. Inicialmente, não se pode conhecer da irresignação contra a ofensa aos
dispositivos legais invocados, uma vez que não foram analisados pela instância
de origem. Ausente, portanto, o requisito do prequestionamento, o que atrai,
por analogia, o óbice da Súmula 282/STF.
3. Além disso, a título de complementação, dessume-se que o acórdão recorrido
está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça
de que os bens públicos não estão sujeitos à usucapião. 4. Recurso Especial
não conhecido.
(REsp 1743548/AL, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 21/06/2018, DJe 16/11/2018)
AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO -
DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL
DA DEMANDADA.
1. A revisão das conclusões da Corte de origem acerca da presença dos requisitos
legais necessários para a aquisição da propriedade pela usucapião extraordinária
demandaria a reapreciação do contexto fático e probatório dos autos, prática
vedada pela Súmula 7 do STJ.
Precedentes.
1.1. É possível reconhecer a usucapião do domínio útil de bem público sobre
o qual tinha sido, anteriormente, instituída enfiteuse, pois, nesta circunstância,
existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente, não trazendo
qualquer prejuízo ao Estado. Precedentes.
2. Esta Corte de Justiça tem entendimento no sentido de que a incidência
da Súmula 7 do STJ impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida
em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos
do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base
na qual deu solução a causa a Corte de origem.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1642495/RO, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado
em 23/05/2017, DJe 01/06/2017)
Civil e processo civil. Recurso especial. Usucapião. Domínio público. Enfiteuse.
` - É possível reconhecer a usucapião do domínio útil de bem público sobre
o qual tinha sido, anteriormente, instituída enfiteuse, pois, nesta circunstância,
existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente, não trazendo
qualquer prejuízo ao Estado. Recurso especial não conhecido.
(REsp 575.572/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 06/09/2005, DJ 06/02/2006, p. 276)
CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA.
JULGAMENTO EXTRA PETITA NÃO CARACTERIZADO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AÇÃO INTENTADA
CONTRA A TITULAR DO DOMÍNIO ÚTIL E A UNIÃO. IMÓVEL FOREIRO. MATÉRIA DE FATO.
EXTINÇÃO DO PROCESSO EM RELAÇÃO À UNIÃO, POR INSUSCETÍVEL DE USUCAPIÃO BEM
PÚBLICO. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL QUANTO AO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO
AQUISITIVA SOBRE O DOMÍNIO ÚTIL.
I. Não padece de nulidade o acórdão que enfrenta, suficientemente, as questões
essenciais ao julgamento da lide, apenas que guardando conclusão contrária
ao interesse da parte.
II. Postulado na inicial o usucapião da propriedade plena do imóvel, o deferimento,
pelo Tribunal Regional, da prescrição aquisitiva apenas sobre o domínio
útil não constitui julgamento extra petita, por haver deferido apenas menos
do que o pedido.
III. Movida a ação de usucapião contra a União e a titular do domínio útil,
e sendo impossível usucapir-se bem público, mas apenas o domínio útil do
imóvel foreiro, a demanda há de ser extinta contra a recorrente, e procedente,
unicamente, em relação à 2ª ré.
IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido, para extinguir
o feito em relação à União.
(REsp 507.798/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado
em 16/03/2004, DJ 03/05/2004, p. 171)
CIVIL E PROCESSUAL - DOMINIO UTIL - USUCAPIÃO - IMOVEL FOREIRO.
I - DOUTRINA E JURISPRUDENCIA PERFILHAM ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE QUE O
DOMINIO UTIL DE IMOVEL FOREIRO DE MUNICIPIO E USUCAPIAVEL.
II - RECURSO NÃO CONHECIDO.
(REsp 20.791/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado
em 27/10/1992, DJ 07/12/1992, p. 23311)
USUCAPIÃO - BEM DE QUE NU-PROPRIETARIO O ESTADO POSSIVEL O USUCAPIÃO RELATIVAMENTE
AO CHAMADO DOMINIO UTIL, QUANDO A PESSOA JURIDICA DE DIREITO PUBLICO TEM
APENAS A NUA PROPRIEDADE E A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA REFERE-SE AO CHAMADO
DOMINIO UTIL DE QUE E TITULAR UM PARTICULAR. (REsp 10.986/RS, Rel. Ministro
EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/02/1992, DJ 09/03/1992, p.
2573)